A proporção de trabalhadores sem cobertura previdenciária varia entre as regiões, como mostra a pesquisa, e reflete a diferença de desenvolvimento socioeconômico entre as regiões – onde há maior renda média, há também maior proporção de contribuintes.
Por que a falta de adesão à Previdência é um problema para o país?
Além de destacar o desamparo do trabalhador que não tem proteção da Previdência Social, Rangel destaca que a baixa cobertura é também um problema para o país.
“Quando você tem um trabalhador protegido, diminui a chance da pessoa incorrer em uma situação de pobreza ou extrema pobreza”, diz.
“Imagina um trabalhador que ganha um ou dois salários mínimos por mês e, por qualquer que seja o motivo, ele não consiga trabalhar. Se não tiver alguém na família dele que consiga ajudá-lo, ele corre risco de não ter dinheiro para enfrentar as necessidades básicas do dia-a-dia.”
Marinho disse que pretende apresentar uma proposta de regulação do trabalho por aplicativo no primeiro semestre
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem dito que o tema está no radar, mas ainda não explicou de que forma buscará resolver a questão.
Ao assumir o comando do Ministério do Trabalho na terça-feira (3/1), Luiz Marinho disse que dará prioridade à “regulação das relações de trabalho mediadas por aplicativos e plataformas, considerando especialmente questões relativas à saúde, segurança e proteção social”.
Isso será feito, segundo ele, “para assegurar padrões civilizados de utilização dessas novas ferramentas”.
O novo ministro afirmou que pretende apresentar uma proposta de regulação do trabalho por aplicativo no primeiro semestre deste ano – que fará parte, segundo ele, de uma reforma trabalhista “fatiada” que o ministério planeja enviar ao Congresso.
O plano de governo de Lula menciona que sua gestão vai revogar o que chama de “marcos regressivos da atual legislação trabalhista” e diz que vai propor “a partir de um amplo debate e negociação, uma nova legislação trabalhista de extensa proteção social a todas as formas de ocupação, de emprego e de relação de trabalho, com especial atenção aos autônomos, aos que trabalham por conta própria, trabalhadores e trabalhadoras domésticas, teletrabalho e trabalhadores em home office, mediados por aplicativos e plataformas”.
As empresas procuradas pela reportagem disseram defender uma garantia de proteção social para os entregadores, mas destacaram a necessidade de levar em conta novas relações de trabalho (ou seja, um vínculo que não é CLT). Veja mais abaixo o que diz a ssociação d e m otofretistas e como as empresas se posicionam.
Como garantir proteção social a trabalhador sem vínculo de emprego?
Rangel destaca que esse tema é “um problema antigo com roupagem nova”. “Informalidade e desproteção previdenciária no Brasil são um problema de décadas. Há desafios novos, principalmente por causa da intermitência do trabalho e a pessoa poder trabalhar em mais de um aplicativo, mas é um problema antigo.”
O pesquisador diz que o governo deve, primeiro, ouvir diretamente esses profissionais e que uma eventual proposta deve considerar que muitos deles demonstram que querem manter essa flexibilidade.
Uma possibilidade, segundo Rangel, seria fazer um desconto de contribuição previdenciária na fonte – ou seja, no valor que a plataforma repassa ao motorista ou motoboy parceiro.
Pesquisador diz que solução poderia ser aplicar um desconto previdenciário no que a plataforma paga ao motorista ou motoboy
E o que fizeram outros países?
Um fator que dificulta a comparação do cenário brasileiro com o de outros países nessa área, segundo Rangel, é que na Europa e nos Estados Unidos muitos desses trabalhadores têm as atividades de entrega ou transporte de passageiros como secundária, para complementar a renda de um trabalho principal, que já os inclui no sistema de proteção social.
Ainda assim, esse debate tem acontecido em diversos países. Um exemplo foi a exigência, pela Espanha, de que as plataformas contratassem os trabalhadores como seus funcionários – uma opção que não parece ter apoio no Brasil (veja abaixo avaliação de associação de motoboys e empresas do setor).
Em um exemplo mais próximo, o Chile aprovou uma lei pioneira na América Latina para regular o trabalho de aplicativo, que garantiu direito à Previdência. Mas, como destaca Rangel, ainda não há uma análise completa dos resultados.
‘Vaquinha’ para ajudar os colegas e o que diz associação
O presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (AMABR), Edgar Francisco da Silva, o Gringo, conta que era comum ver vaquinhas entre colegas para tentar ajudar motoboys acidentados.
“A grande maioria não tem MEI, porque o aplicativo não exige, e os que têm foi porque o aplicativo exigiu em algum momento, porque senão também não teriam. E os que têm, às vezes, não pagam”, relata ele, que é motofretista há 22 anos.
Agora, segundo Silva, a associação faz um trabalho de recomendar que façam cadastro no MEI e, para os que precisam regularizar o cadastro, ajudam na negociação para parcelar a dívida acumulada.
Mas isso não é suficiente. Silva defende que os entregadores tenham cobertura previdenciária com desconto na fonte e que sejam respeitadas e fiscalizadas regras já existentes para evitar acidentes.
Ele reclama que não há fiscalização da Lei 12.009/09, que regulamenta a atividade profissional de transporte de passageiros e entrega de mercadorias com moto. Entre outros pontos, a lei prevê a aprovação em curso especializado e uso de colete de segurança com dispositivos retrorrefletivos.
“Gostaria que a lei funcionasse e que fosse implantada dentro dela a exigência da seguridade. Ou seja, só entra na profissão legalizado e, aí, tem a seguridade social. Assim, você está mantendo a pessoa viva e trabalha o desenvolvimento dela para entender como é um verdadeiro autônomo. Muitos eram celetistas e, de repente, se pegaram na situação de autônomo – não sabem guardar reserva, não sabem o valor correto a pagar, e acabam trabalhando por valores que ele trabalhava na CLT, mas sem os benefícios.”
A cobertura previdenciária para a categoria poderia ocorrer, segundo a sugestão dele, com desconto na fonte (no pagamento do aplicativo ao motoboy) e com diferentes opções de alíquota.
“Vamos supor que ele optou pela alíquota de 5% (do salário mínimo, R$ 66). Cada aplicativo que ele trabalhar vai descontando um pedaço, até atingir o teto. Ou 11%, 20%.”
E essa redução no valor líquido seria bem recebida pelos entregadores?
“A categoria acha qualquer desconto ruim. Todo mundo quer ganhar o dinheiro puro. Mas acho que, se bem explicado, se mostrar as consequências, as pessoas que morreram e deixaram suas famílias sem pensão, as pessoas que estão passando necessidade, seria mais fácil de entender.”
O presidente da associação diz que “há um otimismo com o novo governo”, mas afirma que os trabalhadores de aplicativos querem ser ouvidos diretamente.
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