NOTA TÉCNICA IBDP N. 01/2019 SOBRE A MP 871/2019

22/01/2019 | Notas técnicas

Diante do grande impacto no sistema previdenciário acarretado pela edição da Medida Provisória 871 de 18.01.2019, o IBDP, enquanto entidade de cunho científico, com objetivo de atuar junto aos poderes públicos com vistas ao aperfeiçoamento e cumprimento da legislação de Seguridade Social, vem, através de uma série de Notas Técnicas, a começar desta primeira, esclarecer alguns pontos relevantes sobre os seguintes temas:

 

Programa Especial de Análise de benefícios com indícios de irregularidade

  1. O Programa de Revisão em tela, popularmente conhecido como Pente-Fino, deve ser entendido criticamente. Não se deve acobertar ou deixar impune qualquer tipo de fraude, mas a MP 871 inverte o que prevalece no Direito brasileiro sobre a presunção de boa-fé, e coloca todos os aposentados e aposentadas na condição de potenciais fraudadores da Previdência Social. As fraudes e irregularidades devem ser enfrentadas, mas esse modelo que presume a má-fé dos aposentados não pode ser admitido.
  2. O pagamento de Bônus aos Analistas e Técnicos do INSS, bem como aos médicos Peritos parece se dar apenas quando há cassação de benefícios considerados irregulares. A MP 871 não deixa claro se os servidores ganharão mais do que sua remuneração habitual se reanalisarem procedimentos administrativos e os benefícios restarem mantidos. Se o pagamento do Bônus representar pura e simplesmente incentivo financeiro para cassação de aposentadorias está-se diante de hipótese de violação do princípio da moralidade (art. 37, caput, da CF), visto que a Administração Pública deve agir com lealdade e boa-fé para com os administrados.

 

Conceito de benefício previdenciário com indícios de irregularidade

  1. O conceito de benefício previdenciário com indício de irregularidade trazido pela MP 871 é muito elástico e não proporciona segurança jurídica.
  2. O art. 8º da MP, nos incisos I a V, menciona que serão analisados como dotados de potencial irregularidade os benefícios indicados por órgãos da Administração Pública (Polícia Federal, TCU, Ministério Público Federal, etc). Nesses casos, há plausibilidade de remessa do benefício previdenciário para reanálise administrativa, visto que se está tangenciando a esfera penal e de ilicitude.
  3. A preocupação maior reside no art. 8º, inciso VI, muito genérico, indicando que serão reanalisados benefícios identificados pelo INSS como irregulares.
  4. É sabido que há grande divergência na interpretação da legislação previdenciária: entre o INSS e o Poder Judiciário; dentro do âmbito do INSS, comparativamente entre suas regiões, supervisões, agências e até mesmo entre seus servidores. Teme-se que essa diversidade de interpretações possa ensejar a revisão de benefícios concedidos regularmente, a partir de outra interpretação administrativa.
  5. A MP 871 não menciona expressamente o cabimento do reexame de benefícios previdenciários concedidos a partir de decisão judicial. Caso isso ocorra, a exemplo do que o INSS pôs em prática com as Medidas Provisórias 739 e 767, em relação aos benefícios por incapacidade, poderá haver ofensa à garantia constitucional da coisa julgada.

 

Procedimento de revisão

  1. A MP 871 define que Ato do Presidente do INSS regulamentará o procedimento revisional, mas alguns parâmetros já se encontram na própria norma editada.
  2. Em apertada síntese, quando houver a suspeita de irregularidade ou de erro material, o INSS comunicará o segurado para apresentar defesa no prazo de 10 dias, bem como juntar documentos, tudo por via eletrônica, sendo que a não apresentação de defesa ou caso seja considerada insuficiente determina a suspensão do benefício. Da decisão de suspensão cabe recurso administrativo no prazo de 30 dias, o qual, não interposto ou julgado improvido, enseja a cassação do benefício previdenciário.
  3. Essa modalidade de procedimento é inconstitucional por afronta ao devido processo legal (art. 5º, inciso LVI, da CF), visto que estabelece um prazo exíguo para a apresentação da defesa. Os aposentados nem sempre estão na posse de todos os documentos que foram utilizados para sua aposentação e esse prazo não viabiliza uma comunicação adequada com a empresa onde trabalhou, com o escritório que o aposentou, etc.
  4. Por outro lado, a intimação eletrônica dos aposentados, especialmente pela rede bancária, igualmente afronta o princípio do devido processo legal, pelo aspecto da razoabilidade, visto que nem todos os aposentados são detentores de expertise nesse tipo de comunicação, e estarão sujeitos a prejuízo em seus direitos.
  5. O art. 69, 9º, da Lei 8.212/91, a partir da MP 871, passa a contar com a possibilidade de suspensão cautelar do benefício caso seja impossível a notificação do aposentado para apresentar sua defesa no programa de revisão. Essa medida afronta o devido processo legal, pois acarreta cerceamento a um direito sem que seja franqueado o mais elementar direito de defesa.
  6. Encerrando esse bloco deve-se fazer menção à institucionalização da prova de vida, outro instrumento controverso e que dificilmente possui compatibilidade com o princípio do devido processo legal.

Carência

  1. A MP 871 aumenta o prazo de carência para o benefício de auxílio-reclusão para 24 meses (antes não era exigida) e a carência de reingresso para 12 meses (eram 6 meses).
  2. Em que pese aqui não se verificar, a princípio, inconstitucionalidade, visto que se trata destinada ao legislador, não se verifica adequação ao volátil mercado de trabalho brasileiro.
  3. Por fim, nesse tocante, não estão claras as regras de Direito Intertemporal: os segurados que se encontram atualmente contribuindo para o RGPS serão submetidos a que tipo de regra?

Prova da união estável e da dependência econômica.

  1. Foi introduzido o art. 16, 5º, na Lei 8.213/91, determinando que a prova da união estável e da dependência econômica se dê unicamente através de início de prova material, vedada a prova exclusivamente testemunhal.
  2. Tal exigência em relação à comprovação da união estável é ilegal e inconstitucional, visto que o art. 226, da CF, confere à união estável os mesmos efeitos do casamento e, em relação às normas de Direito de Família, o Código Civil não exige esse tipo de formalidade para a constituição da união estável.

 

Vale lembrar que a Previdência Social é um importante instrumento de redução das desigualdades no país e meio indispensável de distribuição de renda para muitos.

O IBDP, preocupado com os rumos da Seguridade Social no país, clama para que a Constituição Federal seja efetivamente respeitada e que qualquer alteração na legislação previdenciária se dê através de equipes multidisciplinares, das áreas sociais, jurídicas, políticas, tributárias e não apenas pela pasta  econômica. Além disso, que ela seja amplamente discutida com a sociedade, efetiva  destinatária das mudanças.

 

Adriane Bramante de Castro Ladenthin

Presidente do IBDP

Marco Aurélio Serau Junior

Diretor Científico do IBDP

 

 

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